terça-feira, 14 de janeiro de 2014

O verdadeiro valor da literatura segundo C. S. Lewis

"Este, até onde eu sei, é o valor específico ou o bem da literatura considerada como Logos: ela nos permite ter experiências outras que não as nossas. Elas não são, assim como nossas experiências pessoais, todas igualmente valiosas. Algumas, como é dito, nos "interessam" mais do que outras. As causas desse interesse são, naturalmente, extremamente variadas e distintas de um homem para o outro; podem ser o costumeiro (e nos dizemos "É verdade!') ou o anormal (e nós dizemos 'Que estranho!'); podem ser o belo, o terrível, o impressionante, o emocionante, o patético, o cômico ou o meramente provocativo. A Literatura dá o entrée a todas elas. Nós que fomos verdadeiros leitores toda a nossa vida raramente percebemos a enorme extensão de nosso ser que devemos aos autores. Nós o percebemos melhor quando falamos com um colega iletrado. Ele pode ser cheio de bondade e bom-senso, mas habita um mundo pequenino. Nele, nós nos sufocaríamos. O homem que se contenta em ser somente ele, e, portanto, menos um Eu, está numa prisão. Meus próprios olhos não são suficientes para mim, eu verei pelos olhos de outros. A realidade, mesmo quando vista pelos olhos de muitos, não é suficiente. Eu verei o que os outros inventaram. Mesmo os olhos de toda a humanidade não são suficientes. Eu lamento que os animais não possam escrever livros. Com muito gosto eu aprenderia como são as coisas para um rato ou uma abelha; com ainda mais gosto eu perceberia o mundo olfativo carregado com toda a informação e emoção que ele tem para o cachorro.

A experiência literária cura a ferida sem prejudicar o privilégio da individualidade. Existem emoções de massa que curam a ferida, mas elas destroem o privilégio. Nelas, nosso Eus separados são agrupados e nós afundamos na sub-individualidade. Mas, ao ler boa literatura, eu me torno mil homens e, ainda assim, permaneço eu mesmo. Como o céu noturno no poema grego, eu vejo com uma miríade de olhos, mas, ainda assim, sou eu que vejo. Aqui, como em louvor, em amor, em ação moral e em saber, eu transcendo a mim mesmo e sou mais eu mesmo do que nunca."

LEWIS, C. S. An experiment in criticism. Cambridge: Cambridge University Press, 1992, pp. 139-141. Tradução: Rodrigo Rocha Silveira

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