sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

O papel das emoções na genuína experiência espiritual


A Genuína Experiência Espiritual, editada pela PES, é uma versão condensada e adaptada aos leitores modernos do Tratado sobre as Emoções Religiosas (1746) (A treatise concerning religious afections) de Jonathan Edwards (1703-1758), assim como o nosso campeão de leituras de 2009, Uma fé mais forte que as emoções, portanto pode-se dizer que a presente resenha também vale em relação a ele, muito embora a primeira obra tenha sido sua matéria-prima direta.

Seu autor, Jonathan Edwards, considerado por muitos até hoje o maior teólogo norte-americano, teve participação central no chamado Grande Despertamento do século XVIII. Edwards teve uma formação teológica e filosófica solida, sofrendo influência principal das obras de John Locke e de João Calvino. Seus escritos refletem suas influências ao prezar igualmente pela clareza lógica das idéias e pela busca constante pela fundamentação bíblica de suas posições.

O Tratado sobre a Emoções Religiosas surgiu da dupla necessidade de afirmar as emoções como demonstrações legítimas de uma religiosidade saudável e de desencorajar sua supervalorização, o emocionalismo religioso. Edwards afirma inicialmente que a religião verdadeira, o verdadeiro cristianismo, consiste principalmente em emoções santas. Sendo que, para o teólogo americano, emoções devem ser entendidas como "as ações mais vivas e intensas da inclinação da alma e da vontade" (p. 20). Para fundamentar sua posição inicial, o autor cita várias passagens bíblicas que exortam ou mesmo ordenam o crente a ter certas emoções como medo, esperança, amor, desejo, alegria, pesar, gratidão e misericórdia: I Cor. 13.13, Heb 6.19, I Tess. 5.8, Sal. 33.18, Prov. 8.13, Sal 97.10, Is 26.8, Sal. 63.1, Mat. 5.6, Fil. 4.4, Gal. 5.22, Mat.5.4, Col. 3.12, entre outras. O número de passagens é tão grande que Edwards recomenda que "se alguém quiser contestar isto, deve jogar fora a Bíblia e encontrar outro padrão pelo qual julgue a natureza da verdadeira religião" (p.25). Apesar da agressiva reação do teólogo contra os contestadores, é de se convir que Edwards constrói bem o seu argumento. Mais tarde cita também personagens bíblicas que se notabilizaram pela expressão de emoções santas como Davi, Paulo, João e o próprio Cristo, que os evangelhos afirmam ter chorado, se alegrado, se irado, se afligido, tudo isso de forma santa, pelos motivos certos e na proporção correta. Afirma também o teólogo outra evidência que aponta para a importância das emoções que são as constantes advertências bíblicas contra a dureza de coração presentes em Mar. 3.5, Sal. 95.7-10, Is. 63.17, II Cron. 36.13 e Ez. 11.19 e 36.26. A idéia de dureza de coração em todas essas passagens estaria ligada à frieza e à insensibilidade diante das emoções religiosas. Portanto, o correto entendimento do papel das emoções na espiritualidade deveria levar a não rejeitá-las como se fossem sinais de fraqueza, a cultivá-las de maneira santa e a não sentir vergonha delas.

Porém, o que diferencia as emoções que provêm de uma vida de conversão e arrependimento das emoções espúrias, pretensamente religiosas ou fingidas? Para responder a essa questão, Edwards começa dizendo o que não diferencia essas emoções:

1) Não é a intensidade o critério definidor, tanto cristãos como gentios são capazes de demonstrar sentimentos no mais alto grau.

2) Não são os efeitos das emoções no corpo o critério definidor. Apesar de serem aceitas por alguns como sinais últimos de uma espiritualidade profunda, reações como desmaios, arrepios, choros, calores em certas áreas do corpo, essas reações podem ser ou não provocadas pela ação do Espírito Santo. Não é incomum esse tipo de demonstração física em outras religiões ou mesmo em casos de histeria.

3) O fato das emoções produzirem um ímpeto para falar sobre Deus, ou louvá-lo, ou trazerem à lembrança versículos bíblicos, ou criarem um zelo pelos deveres externos do culto, ou gerarem uma sensação de segurança quanto à salvação não são índices de santidade emocional.(Agrupei esses pseudo-critérios, pois eles têm em comum a tentativa de justificar a emoção unicamente pelo seu efeito naquele que a experimenta). Todos esses efeitos podem ser produzidos por emoções "naturais", quando, por exemplo, elas trazem à memória versiculos ou hinos aprendidos na infância e tidos como boas lembranças ou quando o prazer de senti-las leva ao desejo de repetir a dose, criando a prática de cultuar com a finalidade de criar em si certas emoções.

4) O fato de serem produzidas pelo esforço também não é um bom critério para a distinção, pois a Bíblia descreve momentos em que os crentes são simplesmente tomados por emoções ao passo em que, em outros momentos, exorta seu cultivo. Edwards enfatiza que espíritos maus também podem ser responsáveis por inspirar certas emoções.

5) Finalmente, é impossível conhecer a natureza das emoções dos outros pela experiência ou através de relatos. Cada um deve sondar o seu próprio coração.

Existem, contudo, algumas características peculiares de emoções espirituais verdadeiras:

1) Elas são produzidas por experiências sobrenaturais e, portanto, são diferentes de qualquer sentimento que possa ser produzido naturalmente, por qualquer obra ou prática humana, ou, ainda, pela simples contemplação da natureza.

2) Seu propósito e sua causa são a beleza das coisas espirituais e não o nosso interesse pessoal. Nesse sentido, vale citar:

Alguns dizem que todo amor resulta do amor de si mesmo. É impossível, dizem, para qualquer pessoa amar a Deus sem que o amor por si mesmo esteja à raiz de tudo. De acordo com essas pessoas, quem quer que ame a Deus e deseje comunhão com Ele e deseje a sua glória, deseja essas coisas somente a propósito de sua felicidade. Assim um desejo pela própria felicidade (amor a si próprio) está na base do amor por Deus. Entretanto, aqueles que dizem isso deveriam perguntar-se porque uma pessoa colocaria sua felicidade em dependência da comunhão com Deus e Sua glória. Certamente isso é o efeito do amor a Deus. Uma pessoa tem de amar a Deus antes de perceber a comunhão com Ele e Sua glória como sua própria felicidade.

(...)

A causa mais profunda do verdadeiro amor a Deus é a suprema beleza da natureza divina. É a única coisa razoável a se acreditar. O que faz, principalmente, um homem ou qualquer criatura belo é sua excelência. Certamente a mesma coisa é verdadeira no que diz respeito a Deus. A natureza de Deus é infinitamente excelente; é beleza, fulgência e glória infinitas em si mesmas.(p.73) (*)

3) São baseadas na excelência moral das coisas divinas. Isso significa que as emoções cristãs nascem da contemplação da SANTIDADE de Deus. Santidade que torna mais claros os nossos próprios pecados e desperta a vontade de sermos santos. Por isso, transformam nossas naturezas e geram humildade e frutos de uma vida santa, ao invés de orgulho e vaidade. "Podemos testar nossos desejos pelo céu por essa regra. Queremos estar lá pela santa beleza de Deus que ali brilha? Ou nosso desejo pelo céu é baseado numa simples ansiedade pela felicidade egoísta?" (p. 79)

4)Surgem de e geram uma compreensão qualitativamente superior das realidades espirituais. Um teólogo espiritualmente emocionado é um melhor teólogo.

5) São simétricas e equilibradas.

A obra de Edwards apresenta uma posição sóbria, equilibrada, racional e biblicamente fundamentada (elementos que sempre deveriam estar presentes na reflexão teológica, mas que são frequentemente deixados de lado) a respeito do problema das emoções religiosas, um tópico que até hoje merece maior abordagem teológica. Alguns pontos negativos, porém, são a falta precisão na conceituação de emoção (ou afection, no original) e a tendência a considerá-la o único motor da ação humana, o que levaria a um determinismo emocionalista - segundo Edwards: "Não tomamos decisões ou agimos, exceto se o amor, o ódio, o desejo, o medo, ou alguma outra emoção nos influenciar" (p. 23) - que gera o seguinte problema: como poderíamos agir contra nossas emoções espúrias se são elas que determinam nosso agir?

Vale a pena conferir o livro A Genuína Esperiência Espiritual, disponível em nossa biblioteca.

* Apesar de apontado como um dos inspiradores do "hedonismo cristão" de John Piper, esse trecho mostra que algumas idéias (incapacidade de agir sem interesse próprio, satisfação como objetivo principal e não como produto do amor a Deus) dessa corrente teológica não seriam facilmente aceitas por Edwards (cf. Piper, John. Teologia da Alegria. São Paulo: Shedd)

** Todas as citações foram extraídas de: Edwards, Jonathan. A Genuína Experiência Espiritual. São Paulo: PES, 1993)

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