sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Cartas a Malcolm


C. S. Lewis não gostava de escrever cartas. Sua falta de inclinação para escrevê-las era conhecida de todos aqueles que conviviam com ele. Porém, raramente deixava de responder aos que procuravam contato epistolar. Várias de suas cartas, reservadas inicialmente para a intimidade dos interlocutores originais, foram postumamente publicadas e se tornaram célebres. Há um livro composto integralmente pelas cartas de Lewis a uma senhora americana (Cartas a uma senhora americana, editado pela Vida, disponível em nossa biblioteca) escritas ao longo de anos de correspondência. Também, recentemente, foram publicados os diálogos epistolares entre Lewis e Tolkien.

Parece que o exercício contínuo de corresponder-se, se não mudou sua opinião sobre o ofício, certamente aperfeiçoou sua capacidade de utilizar esse meio de comunicação como forma literária. Prova disso é que uma de suas mais conhecidas obras é um conjunto de cartas fictícias entre um demônio experiente e seu sobrinho com instruções sobre a arte de afastar as pessoas de Deus (Cartas de um Diabo ao seu Aprendiz, também disponível em nossa biblioteca).

Recentemente, a Editora Vida publicou mais uma obra epistolar do conhecido pensador Irlandês: Oração: Cartas a Malcolm. Trata-se, desta feita, de uma coleção de cartas a um amigo fictício chamado Malcolm. Nesse diálogo, são abordados vários assuntos, desde liturgia até doutrinas altamente complexas e abstratas como a impassibilidade de Deus e a natureza dos sacramentos. Todavia, o assunto principal, em torno do qual se desenvolvem esses temas marginais, é a oração.

Lewis enfatiza que não existe uma forma pré-definida para a realização da oração. Seja de joelhos, seja sentado, seja num quarto vazio, seja num trem cheio de pessoas e barulhos, a oração pode ser feita eficientemente. Importante na oração é a postura daquele que ora, no sentido de aproximar-se de Deus de forma sincera, sem máscaras, sem religiosidade hipócrita. E como isso é difícil!

O autor revela que não costuma usar e nem recomenda a oração por meio de fórmulas pré-prontas, pois essa prática tende a suprimir a espontaneidade; mas adverte que não é suficiente a abstenção daquela para preservar esta. Muitas vezes oramos com nossas palavras, mas de forma meramente automática. Pode ser, então, que aquele que repete sinceramente uma fórmula, aplicando-a a seu coração durante as orações, seja mais autêntico do que o que forja suas frases autonomamente, mas com frieza.

Lewis trata especialmente dos problemas a respeito da oração de súplica: qual a utilidade da oração em que pedimos algo a Deus se Seu plano é perfeito e imutável? Se o plano de Deus é imutável, como pode haver algo como a resposta a uma oração? Porque se a vontade de Deus já está estabelecida desde a eternidade, mesmo que não orássemos seríamos já, de antemão, respondidos, negativa ou afirmativamente. Então, nossas orações não fazem realmente nenhuma diferença.

Em resposta a essas questões, o autor das Crónicas de Nárnia rejeita a idéia de Deus como uma espécie de legislador universal das generalidades. Muito de nossas noções a respeito da onipotência e da forma como Deus governa o mundo, defende Lewis, são humanas demais. Só os governantes humanos governam massas com leis meramente gerais e abstratas. Deus, porém, governa o mundo nas especificidades, levando em conta as individualidades. Se Deus em seu eterno propósito levou em conta nossos erros, antes de os cometermos, porque não as nossas preces?

O pensador irlandês também adverte para o perigo da utilização de imagens, mesmo que sejam estritamente mentais, na oração. Ao criar essa imagens , podemos até nos concentrar melhor em nossa prece, porém corremos o risco muito maior de falsificarmos o nosso Divino Interlocutor. Não é incomum fazermos representações de Deus como um homem velho de expressão severa ou como um borrão de luz, ambas figuras enganadoras que nos podem desviar da relação efetiva com Ele.

Numa conversa elegante, ao mesmo tempo íntima e erudita, Lewis trata de vários outros assuntos pertinentes à disciplina da oração e à relação com Deus. Para saber mais sobre esses assuntos, basta ler esse excelente livro disponível em nossa biblioteca.

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