sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Lamento


"Toda a humanidade é um livro e tem um autor. Quando um homem morre, não é arrancado do livro um capítulo, mas cada capítulo é traduzido para uma língua melhor; de uma forma melhor. Deus emprega vários tradutores; algumas partes são traduzidas pela idade, outras pelas doenças, algumas pela guerra, outras pela justiça. Mas a mão de Deus está em cada tradução, segurando a nossas páginas novamente esparsas para aquela biblioteca onde cada livro permanece aberto um para o outro. Da mesma forma que o sino toca para o sermão não chama somente o pregador, mas toda a congregação, assim este sino toca por todos nós...


Nenhum homem é uma ilha, inteira em si mesma; cada homem é um fragmento de um continente, uma parte do todo. Se um torrão pode ser levado pelo mar, a Europa é o de menos, tanto como se fosse um promontório, como se fosse a terra dos amigos ou a sua própria. A morte de qualquer homem me diminui, porque estou imerso na humanidade; portanto, nunca me perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti." (John Donne, citado de Lamento, p. 46)


Lamento é um livro escrito pelo filósofo cristão Nicholas Wolterstorff a respeito da morte de seu filho Eric. À semelhança de Anatomia de uma dor de C. S. Lewis, o livro trata dos temas morte e sofrimento de um ponto de vista bem pessoal e franco. Wolterstorff expressa os seus sentimentos e angústias com uma sinceridade tocante ao tempo em que reflete sobre como a morte de seu filho amado altera sua relação com Deus e sua forma de encarar o mundo.


Apesar de filósofo, Wolterstorff não recorre a racionalizações teóricas pela afastar a dor. Ele reconhece, em toda a sua crueza, a morte como um acontecimento trágico que mutilou sua família, que agora nunca mais será completa. O escritor descreve em cores vivas o impacto da ausência de seu filho, ausência que se faz mais presente até do que a própria presença; e a dolorosa inversão das expectativas em relação à morte: um pai não deveria enterrar um filho, porque os filhos são o futuro dos pais, reflete Wolterstorff.


A morte parece ser uma coisa muito natural. De fato, desde que nascemos, somos levados a acreditar que a única coisa certa para o futuro é a morte. No entanto, não nos acostumamos com ela. A morte sempre nos parece anti-natural. A respeito disso Wolterstorff nos que nós cristãos podemos entender isso muito bem porque sabemos que não fomos feitos para a morte. Deus mesmo sofre com a morte. O evangelho nos mostra que até Jesus chorou diante da morte de um amigo querido! De fato, a missão do messias era exatamente a vitória sobre a morte, o que paradoxalmente envolveu o próprio morrer. Por isso, não podemos menosprezar a morte. Reduzir sua importância não oferece nenhum consolo. Consola, porém saber que:


"Nisso estamos juntos, Deus e nós; juntos na história do nosso mundo. A história do nosso mundo é a história do nosso sofrimento comum. Cada ato do mal extrai uma lágrima de Deus, cada mergulho na angústia extrai um soluço de Deus. Mas a história do nosso mundo é também a história da nossa libertação comum. O trabalho de Deus para livrar-se de seu sofrimento é a sua obra para livrar o mundo de sua agonia; nossa luta pela paz e a justiça é a nossa lutar para aliviar a tristeza de Deus." (p. 91)


"Ao compartilhar a profundidade de sua tristeza, Nicholas Wolterstorff ajuda aqueles que estão de luto ou que buscam conforto a abrirem as comportas da alma. Lamento é, de fato, 'bálsamo para as nossas feridas'" (Henri J. M. Nouwen)


Citações extraídas de: Wolterstorff, Nicholas. Lamento. Tradução de Joel Tibúrcio de Souza, Viçosa, MG: Ultimato, 2007.

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