Como fazer a pergunta sobre Deus em nosso tempo? "O discurso sobre o Deus vivo, criador do mundo, está ameaçado a converter-se hoje, até na boca dos cristãos, em um vocabulário vazio. Pelo fato de que a compreensão acerca da realidade do mundo no qual existimos, determinado como está pela ciência e pela técnica, faz o vocabulário Deus parecer supérfluo, senão até tolhedor. Uma determinada forma de viver e pensar sem Deus define atualmente o comportamento cotidiano de cada pessoa, incluindo, também, o cristão. Esse ateísmo vivido é hoje o ponto de partida evidente de toda a reflexão pensante. Já a mera pergunta acerca de se Deus existe e quem é Deus, não precisa hoje de uma justificação particular, quando se apresenta com a necessidade de ser levada a sério por todos, ao menos enquanto pergunta" (p. 5-6)
É assim que Wolfhart Pannenberg apresenta a problemática tratada no livro A pergunta sobre Deus, derivado de uma conferência proferida no Instituto de Teologia e Göttingen em Julho de 1964. De lá para cá, algumas coisas mudaram - há sinais de um reavivamento da teologia natural, as previsões de secularização irreversível com a final extinção da religião nos países ocidentais, feita pelos sociólogos, não se cumpriram, o renascimento de uma filosofia cristã, especialmente nas universidades americanas, está em marcha -, mas pode-se dizer que, em linhas gerais, o panorama desenhado pelo teólogo alemão ainda vale para o princípio do século XXI.
Desde meados do século XIX, afirma Pannenberg, a pergunta sobre Deus foi confinada a um contexto muito limitado. O desafio de Fichte à ideia de um Deus pessoal e, mais tarde, a tese de Feuerbach sobre uma antropologia religiosa tiveram grande repercussão sobre o entendimento filosófico acerca de Deus. A idéia de Deus passou a ser utilizada como uma forma de compreender melhor o homem, valendo a hipótese de Feuerbach de que o homem criou Deus à sua imagem, ou melhor, à imagem da perfeição das virtudes humanas e de que, portanto, a religião é uma antropologia alienada em que o discurso sobre o homem é projetado para um outro ser. Foi, com isso, deixada de lado a questão a respeito da efetividade de Deus ou de seu governo sobre o mundo.
Contudo, a questão continua a ser colocada. Karl Barth entendeu que o próprio ser humano consiste nessa interrogabilidade e que, de alguma forma, isso demonstra a referibilidade do homem à Deus, uma vez que não existe pergunta sem a prefiguração de uma resposta. Essa idéia de Barth, inspirada já pelo pensar de Kierkegaard, especialmente as reflexões feitas em O desespero humano, fez eco em toda a teologia posterior. Bultmann concorda com Barth "que a pergunta que o homem é, só pode ser corretamente compreendida a partir de Deus, o qual é a resposta ao interrogar do homem sobre sua autenticidade" (p. 20), mas discorda de que qualquer tipo de resposta possa ser derivada da interrogabilidade, senão a própria pergunta. Portanto, a interrogabilidade não levaria a qualquer conhecimento positivo sobre Deus. A própria razão natural, argumentou Bultmann, foi capaz de identificar a interrogabilidade, provalmente se referindo à filosofia existencialista.
Entretanto, a pergunta sobre Deus, que é também a pergunta sobre o homem (isso sem nenhuma recaída na "antropologia alienada", muito pelo contrário, com base em uma antropologia teocêntrica), continua a se colocar e devemos enfrentá-la. Não é possível estar-lhe indiferente, apesar do ocultamento promovido pela técnica. Pannenberg afirma que a resposta à pergunta remete ao futuro, mas já está presente: "A resposta definitiva à pergunta existencial do homem é, portanto, o próprio Deus no futuro de sua soberania, a qual consistirá na definitiva revelação de sua divindade, já que esta coloca a história do mundo à luz do fim e, dessa forma, decide e desvela o significado, a essência, de cada um de seus elementos particulares e de cada uma de suas figuras e acontecimentos, manifestando assim o Deus vindouro como Senhor de todas as coisas. A partir do momento em que Jesus aparece, este futuro de Deus já começa a determinar o presente. A partir da aparição e destino de Jesus, torna-se possível viver cada situação atual em sua constelação concreta, segundo a forma como dita situação aparece à luz do futuro de Deus e segundo, portanto, a forma de sua verdade definitiva" (p. 57-58).
Para conhecer melhor essa pergunta e sua posição no pensamento teológico contemporâneo, recomenda-se a leitura do pequeno, mas rico livro desse que é considerado por muitos o maior teólogo acadêmico da atualidade.
Todas as citações foram extraídas de: Pannenberg, Wolfhart. A pergunta sobre Deus. Tradução de Daniel Costa, São Paulo: Novo Século, 2002.
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